Minha primeira vez com o macarrão*


No dia 18/10/2006 eu fui participar de um workshop de redação da FESP SP. O professor dava-nos dicas de como escrever melhor, e como escrever à partir de fontes inusitadas. Foi quando ele distribuiu para a sala o seguinte:
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Macarrão All'Amatriciana

Ingredientes:
200 gr de bacon
6 c.s azeite
3 pimentas
3 dentes de alho
1 cebola média
800 gr de tomate pelado
500gr de spaghetti
Sal à gosto
Noz-moscada à gosto
aproximadamente 1 c.s manjericão
muito parmesão ralado

Modo de preparo

Por água para esquentar, para o cozimento do spaghetti.
Frite no azeite o bacon bem picado até ficar crocante. Misture as pimentas e refogue-as até que fiquem desidratadas e depois despreze-as.
No mesmo azeite, fatie os dentes de alho e pique a cebola. Refogue bem.
Corte os tomates e acrescente-os no refogado, cozinhe mais.
Ponha o macarrão na água já quente.
Acerte o sal e coloque uma pitada de noz-moscada. Acrescente o manjericão.

Escorra o spaghetti e devolva-o na panela. Despeje o molho, e por cima, o bacon.
Sirva-se.
Acompanha muito parmesão ralado.

Pois bem. E então ele pediu para que nós escrevêssemos um texto usando aquela receita como fonte. Não poderíamos ocultar nenhuma informação, nem mesmo as medidas. Era só reproduzir aquilo tudo num texto...

Eu pensei... e pensei... e pensei... Não queria escrever alguma coisa do tipo: ''Queria dar um jantar em casa, fui ao supermercado e comprei 200 gr de bacon, azeite (...) bla bla bla''. Fala sério! Para uma menina que pretendia cursar Letras aquilo seria o atestado de óbito, sem ao menos ter começado a viver nas escritas!

''E brigaram. Durante toda a tarde. Até que como quem põe um ponto final naquilo tudo, Juliana abre a porta do apartamento e André sai.
Sentou ao lado do sofá e chorou. Chorou tudo o que estava engasgado, e ela não queria deixá-lo perceber.
Passadas horas de reflexão, Juliana abriu a geladeira, deu uma olhada rápida na dispensa. Pôs água para esquentar. Picou 200 gramas de bacon, como se a faca partisse cada pedacinho dos seus sentimentos. Despejou na panela um equivalente à seis colheres de sopa de azeite e fritou o bacon até que ele ficasse bem crocante. Pensando no ardor que queimava seus olhos, colheu três pimentas dum vaso sobre a mesa, e refogou-as no mesmo azeite já sujo de sentimentos. Quando ficaram com a mesma aparência desidratada do seu coração, fez com as pimentas o mesmo que André faria. Jogou fora.
Ainda naquele azeite, fatiou três dentes de alho. Ao picar uma cebola média, o choro de dor confundia-se com o choro do odor.
Enquanto a mistura refogava, foi até a dispensa e pegou duas latas de 400 gramas de tomate pelado e um pacote de 500 gramas de spaghetti. Pôs o macarrão para cozinhar, e os tomates picados na panela com o refogado.
Parou uns instantes. Tomou uma taça de vinho tinto. Parecia que com a quantidade de lágrimas caídas na panela, nem precisaria acertar o sal. Mesmo assim, Juliana o fez. Ralou noz-moscada, e pôs um ramo de manjericão, mais ou menos uma colher de sopa.
Escorreu o macarrão, devolveu-o na panela.
Como se o molho fosse uma cascata de emoções, cobriu, com ele, todo o macarrão. Por cima de tudo aquilo, o bacon.
Serviu-se ainda, de muito parmesão ralado.
E, como quem não quer se despir de todos os sentimentos e sensações depositados naquele molho All'Amatriciana, comeu cada pouco. Como se sentisse tudo de novo.''

Esse foi o meu texto. E eu tenho um imenso carinho por ele!
Engraçada uma coisa... Há tempos eu não o lia. Lembro exatamente do momento em que o escrevi, em que o professor leu, lembro dos comentários dele... mas o mais interessante, lembro da imagem, do rosto que dei à Juliana e ao André. Lembro de cada móvel na sala, na cozinha, na dispensa do apartamento da Juliana.
Às vezes, com o passar do tempo, as nossas perspectivas mudam, e mudam também algumas imagens, mas quando eu li esse texto ontem a noite, as mesmas imagens me vieram à cabeça!

Antes dele, eu já havia escrito algumas coisas. Sempre insisti em poemas, mas eu não tenho esse jeito para isso... minhas rimas são pobres... é muito ruim. Tem um, que é especial, que eu gosto muito... esse foi de 2004 (em outra ocasião eu 'publicá-lo-ei'). Mas com textos (conto, crônica, que seja) essa foi a minha primeira vez!



5 comentários:

Anônimo disse...

adoreeeeeeei o seu macarroneee!
muito bom o conto, de verdade!
vc fez uma coisa não-óbvia e bem bacana :)

Anônimo disse...

Adoro esse texto! Beijo e saudade.

Anônimo disse...

Leticia,
Um belíssimo texto, passa uma sensação tão estranha... tipo uma mistura de solidariedade/pena com fome...

=]

Beijo!

Anônimo disse...

estou gostando... =]

Anônimo disse...

adoro esse texto