Sobre a supervalorização dos defeitos



Quando eu era mais nova, não me lembro quem me contou uma história mais ou menos assim:

"Pense que o mundo é redondo (como realmente é) e que todas as pessoas andam nele em fila, com uma mochila nas costas. Dentro dessa mochila que está nas costas, carregamos todos os nossos defeitos, e tudo aquilo que não queremos que as pessoas vejam. Na nossa frente, vão as qualidades, e tudo aquilo que queremos mostrar de bom que temos a oferecer.
A pessoa que está atrás de nós, só vê a mochila que carregamos nas costas. Logo, vê, apenas, os nossos defeitos. E nós, vemos apenas a mochila que está nas costas de quem está a nossa frente. Portanto, as nossas qualidades e coisas boas, apenas nós mesmos vemos com clareza."

E é bem assim que acontece. Vira e mexe essa história me vem à cabeça e eu fico pensando nisso. 
Por mais que a gente mostre, arreganhe e exponha tudo aquilo que temos de bom, a mochila que fica mesmo bem evidente, é a das costas. 

Por exemplo, quando vamos à manicure, e ela machuca a unha do dedinho, mas faz todas as outras nove unhas perfeitamente lindas, não mostramos às nossas amigas "olha só como ela pintou bem essas unhas!! Só machucou essa aqui um pouquinho!". Mas dizemos "não vá a essa manicure! Olha só o que ela fez no meu dedinho!". Ou para os homens, quando deixam o carro para lavar, e o rapaz lava, encera, dá brilho, põe cheirinho e até passa pretinho no pneu, mas mexeu na configuração do banco para poder por o carro na vaga, porque é mais alto ou mais baixo que o dono do carro. O cara diz "FILHO DA PUTA! Era só pra estacionar o carro! Não precisa mexer no banco!" Mas não agradece o cara por ter passado um pretinho caprichado no pneu, assim, de brinde. 

Dá muito mais trabalho acelerar o passo e virar o corpo para observar o que o companheiro tem à frente dele. É muito cômodo manter o passo e continuar olhando para a mochila de trás. 


A falta

  




Aquele viço, aquela vida. Aquela vontade de ser e estar, de aprender, ensinar e errar? Cadê?
Ficou será trancafiado entre caixas e malas em algum lugar quente e distante? Foi roubado por anões e duendes?
Há 10 meses eu dizia para quem quisesse ouvir “esse é o meu ano!”. Hoje, há dois meses do final do ano, eu digo “e daí?” Me mandei, na teimosia, pra longe. Bati o pé, disse que era capaz. E daí? Só o que fiz foi ver que não era e não sou capaz de fazer tudo sozinha. Fui para provar para mim mesma que eu me bastava, e descobri que eu sozinha não sou ninguém. Não existo e não tenho utilidade, nem para mim mesma.

Sinto falta da emoção. Do frio da barriga, do medo do novo, de aprender, de não ser tão pressionada por todos os lados. Sinto falta de poder ser eu mesma, sem ficar pensando “que será que vão imaginar de mim se eu disser isso?”. A saudade de uma coisa q eu acho que, na verdade, nunca nem foi. E nem vai ser. Acho que, no final das contas, eu vivo mesmo é numa utopia. Num mundo de cartas de baralho dizendo coisas sem sentido. Já não sei se sou um Curinga ou um Ás de Copas. Devo ser dessas cartas bem ordinárias que todos descartam na primeira rodada do jogo. Pelo menos, é assim que eu me sinto.

Quem ler isso, possivelmente vai pensar “a lá, se fazendo de vitima! Acorda pra vida, aceita seu destino” Não. Não sou vitima. Se hoje eu estou onde estou, é por mérito meu. E isso não significa que seja bom. É por não ter ouvido, é por não ter pensado, por não ter pago as contas do cartão de credito e por tomar café demais no Starbucks Coffee. São muito caros, embora tão deliciosos. Têm o sabor do paraíso com uma dose extra de expresso e avelã. É por fumar demais. Eu sei exatamente onde eu erro e errei. Não preciso de dedos alheios na minha cara apontando cada um dos meus erros e defeitos. Prefiro que me apontem a saída, por favor. Qual é a porta que dá na minha vida de volta, gente? Alguém me põe de volta de onde eu vim, e me deixa lá, quietinha, por favor. Preciso cicatrizar tudo isso aqui. Dá licença?

É uma apatia sem fim. Uma falta de reação que vem de dentro que nunca foi de mim.

Será que um dia essa felicidade que eu penso pra mim vai ser real? Quando eu vou conseguir reunir forças pra levantar a bunda da cadeira e reagir? Me ajudaê, gentes... Sozinha ta difícil...

É falta de não precisar pedir por um abraço, por um beijo. É falta de ganhar um “bom dia” ao invés de “levanta que já é tal hora”. É falta de um colo espontâneo. Eu sei que eu sou um tanto arisca, e que a vida cotidiana acaba tirando a sensibilidade.
Falta de poder deitar no sofá e assistir a qualquer coisa, ou assistir a nada e cair no sono, assim, jogada no sofá. Tem coisa melhor do que soneca no sofá?

Tudo o que eu queria era uma soneca... assim... longa... que me levasse pra bem longe... e me trouxesse de volta pra minha vida... aquela que eu tanto amava...

Direito de Resposta

É incrível como coisas acontecem quando estamos despreparados, não?!
Numa noite fria de domingo, uma pessoa estranha me add no facebook, sabe, aquela coisa de amigo dozamigo? então... E diante a risadas sobre o passado do amigo em comum, trocamos o endereço dos nossos blogs, tipo:

"Ah, eu publico coisas, dá uma lida!"
"Legal! eu tb! Segue o endereço!"

E lá vou eu, fuçar o blog da tal pessoa. Deparei-me com um texto que tem a ver com um tema que eu penso muito, e que, há muito venho postergando escrever sobre. O texto é esse aqui.
Engraçado, que na mesma noite, eu tive uma conversa bem interessante e muito relacionada a esse assunto com um amigo que está em Barcelona, e tem uma visão de mundo bem legal, diferente da minha, e que, talvez, eu também gostaria de ter. Acaso? 


"Pergunto: Você é feliz com a vida que você leva? O que você mudaria? O que está em suas mãos agora? Você está fazendo tudo o que você poderia fazer ou já se deixou corromper por uma indolência burguesa ou burra?"


Confesso que esse papo de "deixar-se corromper por burguesia, sistema blablabla" é um papo que me tira o saco de querer ler ou pensar em qualquer coisa. Parece papo de comunistazinho partidario do PCdoB sustentado pelos pais (vide meu passado), mas eu gostei do deccorrer do texto e me identifico com o pensamento.

Respondo:
Não sou feliz com a vida que levo hoje.
Quando terminei a faculdade, eu tinha uma outra perspectiva sobre a vida, e nada do que faço hoje estava nos meus planos. Isso não significa que seja ruim, só significa que não é o que eu esperava para mim, e que não é assim que eu quero passar o resto da minha vida. Estive, por algum tempo, bem acomodada na minha zona de conforto, feliz da minha vida com o meu trabalho e com a minha vida social. Por motivos de força maior, me arrancaram dessa zona, e eu me vi na obrigação e direito de tentar mudar o rumo da minha vida. Mas alguma coisa ai no meio não deu lá muito certo. Algo estava mal planejado. Na verdade, nada foi planejado, pois, num intervalo de uma semana eu estava em um estado desconhecido, com pessoas desconhecidas, morando só, vivendo só, estando só. E foi aí que eu descobri que o que eu sonhava para mim, era, na verdade, uma utopia das grandes.
Hoje, me vejo onde eu disse que não queria estar. Onde eu planejei não estar. Por que será?

O que eu mudaria? 
A começar, o emprego. Não que eu não goste de estar em sala de aula. Descobri, finalmente, depois de algum bom tempo que comecei a dar aulas, o tesão na profissão. Hoje eu sou uma professora que gosta de estar com os alunos (mas não todos eles). Mas acho que eu tenho muito mais a fazer. Ser professor é uma coisa nobre. É uma das profissões mais respeitadas pelas pessoas. Nada na sua vida você faz sem ter um professor. Mas eu quero mais que isso para mim.
Mudaria a minha forma de ver o mundo e a minha maneira de me relacionar com as pessoas. Mamãe diz que eu me tornei egoísta. Eu concordo. Mas algumas vezes eu vejo isso como uma qualidade, mais do que um defeito. Altruísmo demais me incomoda. Gosto das coisas do meu jeito e sou teimosa demais pra fazer sempre do jeito das outras pessoas. Mas sei que isso também seria legal se mudasse um pouco.

O que está em minhas mãos agora?
Acho que a mais difícil de se responder. 
Em minhas mãos eu tenho a vontade de fazer o que há muito me proponho. Mas para isso, dinheiro é necessário, e essa é uma coisa que não está nas minhas mãos agora,
Há quem diga que eu não preciso de dinheiro nem de tudo tão planejadinho para chegar aonde eu quero. Mas eu não consigo pensar numa vida sem conforto e sem coisas já certinhas e bem seguras para fazer. Quando eu digo 'conforto', não quero dizer uma TV de LCD, o melhor sofá, geladeira de inox e essas coisas, mas sim, o mínimo de condição possível para que eu não emagreça 7kgs em um mês, novamente, comendo miojo como refeição principal e morrendo de calor e insônia a noite.

Estou fazendo tudo o que eu poderia fazer ou já me deixei corromper por uma indolência burguesa ou burra?
Claro que sou uma corrompida! E quem não é?! Quem não gosta da zona de conforto? 
Claro que eu posso mudar isso... 
Não estou fazendo tudo o que poderia (e deveria) fazer para chegar onde eu quero. Mesmo porque, esse papo de ter 'um objetivo' é meio doido. Se você é uma pessoa normal, nunca chegará aonde quer, exatamente. Antes mesmo de chegar ao seu objetivo inicial, já haverá um novo objetivo a ser alcançado. Me dá a ideia de que é um cavalo com cabresto que segue para o objetivo sem olhar as mil possibilidades em volta.
Posso ter como um objetivo, comprar um carro daqui um ano. No meio do caminho me aparece uma proposta muito legal de morar no exterior. Sigo reto, direto para o tal carro, ou deixo que essas novas oportunidades sejam aproveitadas?

São poucas as coisas que hoje me dão motivos para sorrir. Aliás, não me lembro qual foi a última vez que soltei uma bela gargalhada ou chorei de felicidade. 

Janela

''Fica decretado que, a partir deste instante, 
haverá girassóis em todas as janelas, 
que os girassóis terão direito 
a abrir-se dentro da sombra; 
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro, 
abertas para o verde onde cresce a esperança.''
Thiago de Mello

E lá estava ela, novamente. No quarto. Em frente àquela tão conhecida Janela. 
A Janela já fora aberta muitas vezes. Fecharam-na com violência, com delicadeza, com displiscência. Já abriram-na. Arreganharam a Janela, sem nem preguntar se quem estava lá dentro estava dormindo ou não., se queria ser incomodado, se estava nu ou não.
E lá estava ela... Novamente... No quarto... A Janela...

Olhando para aquele pedaço de madeira que a protegeu por muito tempo, lembrou-se de todas as paisagens que já vira. De uma música sussurrada ao pé do ouvido, de um deserto, um clarão imenso... Lembrou-se de flores, de floreiras no peitoril, árvores... Lembrou da cortina esvoaçando com o vento que vinha da Janela. 

Por muito tempo, ficou frente à ela, perguntando-se ''O que será que há lá fora neste momento?'' E por muito tempo, questionou-se se deveria continuar ali, à mercê de quem fosse abrir a Janela e invadir seu quarto escuro novamente. Decidiu que quem mandava em sua Janela, era ela própria. 
Já estava em estafa física e mental de tanto reparar dobradiças. 
Arrancou a cortina.
Espiou pela persiana.
Abriu a janela.
Escancarou a janela.
Meteu um pé para fora. 
E o outro... 
Saiu andando. 
''Adeus, Janela! Agora vivo por mim, e aguento  o que vier!''





Vinte e três

"Qual seria a sua idade se você não soubesse quantos anos você tem?"
Confúncio

Em um cômodo de sua casa, Julia vê fotos e vídeos antigos com sua mãe.
- Nossa! Já se passaram sete anos desde os meus quinze anos!
E sua mãe, com a maior naturalidade do mundo, responde:
- E pense só que faltam só sete para você chegar aos trinta.

Julia sentiu uma bomba-relógio sendo ativada em seu peito... Há sete anos, estava no primeiro ano do colegial. Suas maiores preocupações eram as notas de matemática. Chegava do colégio às 13h, almoçava... e só. Hoje, sete anos depois, terminara a faculdade, especializou-se, e as preocupações são tantas que não convém escrevê-las aqui. É o meio do caminho entre os quinze, e os trinta. (E no meio caminho tinha uma pedra). Duas idades bem marcantes, para uma menina-mulher como ela. 
Ela tenta estar feliz com o fato de completar mais um ano de vida. Tenta pensar positivamente, querendo lembrar do ano que passara. Esse é o seu Réveillon. Está em um momento da vida, onde já não se pode mais agir como adolescente. Deve tomar postura de mulher, mas por algum motivo, isso acaba sendo um pouco difícil para ela. Ao mesmo tempo, no último ano, fora catapultada para a vida adulta.
A moça pensa em comprar já alguns cremes antiidade, e lembra que a medicina, apesar de todo o seu avanço, ainda não criou uma cura para um simples aniversário. Mas uns cremes não iriam nada mal, afinal de contas, não gostaria de ter marcas na testa tão cedo.
Apesar de tudo, sabe que tem sido feliz por vinte e três anos. Com bons amigos, alguns bons aprendizados, com uma pessoa bacana ao seu lado. 
Para ela, é esquisito demais comemorar de ano em ano, se a mudança nela, acontece a cada dia. Todos os dias ela descobre uma pinta nova em seu corpo, tem um pensamento diferente. A cada dia ela amadurece e cresce e aprende um pouco.
Julia acha que já não sabe mais comemorar aniversários. Vai chegando o dia, vai chegando a tristeza. Quanto mais perto, mais triste. E quando passa... Opa! Já foi! Quase não dói.

Apesar de tudo, ela continua sendo uma linha tênue entre Van Gogh, Monet e Renoir... Já não é mais tão Magritte... Ja consegue ver seu rosto...

Querida Laika

Espero que você não se importe que eu te chame de querida.

Tenho passado dias realmente estranhos por aqui. Há mais de uma semana que eu não prego os olhos, e, se o faço, é só por algumas poucas horas, e é um sono que eu preferia até não ter, sabe? Porque acabo acordando tão pior do que fui dormir...
Os ladrilhos ainda não se encaixaram, e nem acho que vão se encaixar. Sabe quando somos crianças, e fazemos aquelas atividades de encaixar peças? Sinto que estou tentando encaixar o número 3 na letra E. Não encaixa mesmo... Acho que é isso que acontece com os ladrilhos... a forma deles é diferente da rua. E não vai... não orna... não encaixa.

Sinto saudades sim. Mas tenho percebido que aqui onde eu estou eu tenho aprendido muita coisa. Coisa sobre mim mesma, sabe? Eu ainda não sei explicitar que coisas são essas, mas sei que estou aprendendo em um ritmo alucinante. O que você tem aprendido?

Acabei de lembrar que minhas roupas estão no varal lá fora... e choveu. Saco.

Cara Laika

Para entender esta carta, leia antes isto

Tive de parar tudo o que estava fazendo para refletir à respeito do que você me escreveu...
Neste momento, já não sei te dizer a que ponto sou feliz por ter sido alcançada pelas mudanças. Claro que mudar é sempre bom... Mas quando os ladrilhos não se encaixam muito bem, fica difícil de andar sobre eles, você não acha? E a porta de casa tem feito aquele barulhinho chato de filme de terror quando se abre... Preciso consertar isso logo... Está a me deixar doidinha de irritação.
Quanto à sensação... Bom... Comecei a diminuir os cigarros, e se antes eu jogava, por dia, um maço vazio, tenho demorado uns quatro dias para completar vinte. Isso é bom! Mas a sensação também irrita... Mas tento pensar que eu sou dona do meu corpo e que quem manda no meu cérebro sou eu. Se eu não quero cigarro, ele também não quer. Embora muitas vezes ele tem ganhado a luta, algumas eu fui vencedora também!

Sabe... eu gosto de cicatrizes. Acho que elas nos fazem lembrar das coisas pelas quais ja passamos... Isso te ajuda a lembrar por onde não caminhar. Já aprendeu que por esse caminho machuca. Não o repita!

Querida amiga, não aguarde desculpas ou respostas das outras pesssoas. Faça a sua parte e se dê por satisfeita. As pessoas não adivinham as sentimentos das outras, e tampouco vão se esforçar para te agradar. Pare de esperar um retorno de uma coisa que você e eu sabemos que não acontecerá.

Descobri que amor não é bastante para nada. Amor sem outras coisas de nada vale. Foi isso que eu descobri. Amor sem proximidade, sem respeito... Isso não existe. Amor não enche barriga e nem abriga do frio. Mas decobri que um amor é essencial para que tenhamos amor e todas as outras coisas, e é o amor próprio. Ame-se e sinta-se linda todos os dias. Dê-se valor! Depois disso, me escreve dizendo o que descobriu com isso, certo?

Amor
Leda

PS: Obrigada. Há muito tempo eu estava tentando escrever algo, e nao conseguia. Sinto a minha essência esvaindo aos poucos. Graças a você, escrevi.